sábado, 17 de novembro de 2012

The bitch is back


Tudo começou provavelmente numa festa, talvez amigos em comum tenham apresentando o futuro casal. Ele tomava cerveja, uma, duas, três. Ela também bebia, mas fumava muito. Charme e vício se misturavam. Ele se apaixonou pelo cabelo enrolado dela. Aquilo ficou marcado e ela o cultivava com esmero. O cabelo, mas também o amor. Não queria perder as forças para não se tornar vítima do mito de Sansão. Juntos viajaram, compartilharam festas, festas e mais festas. Sempre regadas a cervejas e cigarros. Ele quis mostrar todo o mundo dele para ela. E a recíproca se fez verdadeira e igual.
Noites ao som de violão, pôr-do-sol no Farol da Barra, vasito em Buenos Aires, costela assada em algum bar do Rio de Janeiro. Ela olhava tudo admirada, feliz por ter encontrado tanta beleza e conhecimento em um mesmo homem. Da parte dela, restava mostrar para ele a cidade que era dela e que ele tinha tomado por sua. E ele foi. Se deixou levar por um novo linguajar, por novos códigos e apreciava tudo isso porque, sobretudo, estava fascinado por ela. Demasiadamente. Até o ciúme parecia gracioso aos olhos dele. Logo ele que tanto prezava a liberdade.
Em um terça-feira ensolarada em São Paulo ele se cansou de tudo isso. Cansou dos ciúmes exagerados. Cansou da falta de autonomia dela. Cansou do cotidiano dividindo a mesma cama, o mesmo lençol bordado pelo gozo. Queria uma vida pautada por horas mais leves, como ousara dizer uma vez para uma outra moça que ele deixara a “ver navios”. E hoje ele repetia isso para a mesma moça que ainda estava a “ver navios”. Durante o almoço, entre um pastel de entrada e um suco de saída, eles tentavam compreender em quê ele tinha se tornado. Ele queria se reinventar, caso contrário, enlouqueceria. A moça dos navios queria admirá-lo como da primeira vez. Como das outras vezes. Queria aquele jeito debochado e carinhoso dele. Queria a cumplicidade de antes. E no meio desses pensamentos o celular sempre tocava. E o toque era sempre: ela, ela, ela, ela! Ele não atendia, desconversava, colocava no silencioso.
Naquele dia, a outra percebeu que ele nunca mais seria dela. Mas ela queria ver de perto o obscuro objeto do desejo dele. Viajou, viajou e viajou. Chegou num lugar quente, seco e cheio de mistérios. Ela foi em busca de uma explicação para tudo aquilo, uma explicação para uma história que não era sua. Mas ela foi. Entre cervejas e cantorias, a curiosidade se transformou em pena. Todos diziam o quanto era feio sentir isso pelas pessoas, mas também disseram o quanto ela não devia ter ido ver a nudez alheia. Mas ela viu. E saiu atordoada correndo com seus sapatos de Alice para um lugar menos hostil, onde o sol queimasse menos. Onde carros antigos não fizessem parte do cenário.
Voltar ao local do desacerto não era fácil, mas necessário. Pensou que encontraria o desejo personificado em mulher, mas encontrou apenas músicas que falavam de solidão, músicas que doíam. Encontrou também passantes que discutiam filosofia, sexo e outras trivialidades. Ele estava cansado e ansioso, era notável. Entre uma cerveja e outra lá pelas tantas da madrugada, ele foi logo dizendo o quanto não sabia sair daquela relação já finda. Não era amor, era loucura, dizia ele tentando denotar uma inexistente serenidade. Contrariando a música que diz “dói, um tapinha não dói”, nele doía. Doía porque ele sabia que ela também não sabia fugir daquilo.

***

Para a moça dos infindáveis navios, a volta para casa não foi menos difícil. Ora, ela sempre prometia que agora sim ela se livraria daquele encosto. Ele que apanhasse uma vez por dia, ele que ficasse naquela vida medíocre e, finalmente, ele que pagasse o preço de não saber apreciar a moça que vive escondida no próprio desejo. Mas ele não sabia de nada disso. Ou pelo menos ela suspeitava. Ou suspeita. Isso já não tem mais tanta importância, ela acredita. “Tudo não passou de ilusão”, como diz a música. E agora que ela recobrou os sentidos talvez seja a hora de encará-lo para se reencontrar novamente com as próprias vontades, desejos e sentidos.




sábado, 16 de junho de 2012

Pra começo de conversa





Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Vinícius de Moraes. Todos esses e  muitos outros artistas e personalidades  já ganharam o título de cidadão paulistano. Eu nunca entendi ao certo qual o motivo da honra. Afinal, sou paulistana nascida e criada e nunca me senti, digamos assim, honrada. Já pensei até em anunciar minha naturalidade no Mercado Livre, só pra ver o tamanho da procura. O fato é que, durante muito tempo, briguei com São Paulo. Não reconhecia, muito menos apreciava a tal da “poesia concreta de tuas esquinas”. Tudo era apenas concreto. Sem poesias. E tudo isso era  a visão de uma pessoa que sempre rodou muito por aqui, já conheceu muitos cantos e antros. Desde a periferia sem reboco nas casas, até os sambas para “inglês ver” da Vila Madá (para os descolados! ui!).

Eu precisei rodar muito para me identificar. Não, não rodei o mundo. Esse giro foi menos geográfico que interno. Claro, a mudança para Campinas durante o período da graduação foi o divisor de águas nesse processo de “pazes com São Paulo”. A terceira maior cidade do Estado, de fato, não me apeteceu. Pelo contrário. Despertou em mim a vontade de explorar com mais intensidade e mais disposição o “meu chão”. E foi o que eu fiz, por um certo tempo. No entanto, no meio do caminho tinha uma outra cidade. Tinha um Rio de Janeiro no meio do caminho. E, sobretudo, tinha uma noção de que o Rio de Janeiro era uma São Paulo só que sem os paulistanos e sem o tamanho exagerado dessa cidade que, por vezes, assusta.

Uma mala nas costas, um sonho na cabeça e uma casa deliciosa para morar em Santa Teresa. Era tudo o que eu queria para me estabelecer de vez na Cidade Maravilhosa. Quando saí, não queria pensar na volta. Meu nome era ansiedade e uma vontade louca de viver tudo o que eu tinha direito. E mais um pouco. Durante 5 meses, perambulei pelo Rio como se não houvesse amanhã. Dancei, bebi, amei, conheci lugares, pessoas. Fui feliz. Quando chegou a hora do retorno, eu estava estranhamente tranqüila, calma e satisfeita. Parecia a vida me dizendo: - caia em si, Pâmela! E foi assim que eu pude afirmar com segurança: voltei, São Paulo!

É bem verdade que São Paulo assusta, repele. Dizem que cinza é a cor oficial da cidade. Vamos combinar que cinza não é lá uma cor muito convidativa. Por outro lado, só diz que cinza dá o tom por aqui, quem nunca ousou descer a colorida Rua Augusta. Ou então, quem nunca viu o amanhecer por uma janela de apartamento na Praça Roosevelt. Esse papo de que “não existe amor em SP” é balela, papo furado. As cores e amores estão por todos os cantos.  Open your mind.
Por isso, para 2012 eu quero mais São Paulo. Quero descobrir cada canto, cada pedaço dessa Paulicéia desvairada. Quero os milhares de shows que vem por aí; quero assistir os filmes que só passam aqui; quero me jogar nas pistas das festas; quero cerveja nos botecos sujos da Augusta; quero os moços que perambulam por aqui. Quero, finalmente, viver aqui.
Por quanto tempo? Eu não sei. Pode ser pra sempre, como pode ser por 5, 10, 20 anos. Isso não interessa agora. Qualquer coisa, é só colocar a mala nas costas novamente e ir, ir, ir! Por enquanto, o que desperta o interesse dos meus dois olhos negros é a vontade de reinventar a urbe, “ter” uma São Paulo só pra mim! E eu recomendo que você faça o mesmo. Aqui sempre cabe mais um, dois, três!


Texto elaborado em Fevereiro de 2012.