quarta-feira, 1 de maio de 2013

Ciúme musical


Eu sou apaixonada por música. Viciada, melhor dizendo. Escuto todos os dias, muitas horas, muitas vezes. Tudo que faço envolve música. Chego ao ponto de estudar ouvindo rock, MPB, côco, samba, brega...uma verdadeira salada musical. Quando um amigo me diz que ouviu algo que eu postei no Facebook (o termômetro da vida moderna, afinal!) ou então que eu indiquei, me dá um orgulho, uma vontade de botar no colo e dizer: te amo!

Mas, não se enganem! Eu não toco nada, nem um tamborzinho. Tem um pandeiro aqui em casa, enferrujado por falta de uso, por falta de alguém que o tome pelas mãos e desafie-o a dar o tom de alguns sambas bons. Vontade não me falta, devo dizer. Falta disciplina, tempo, coragem e sobra a certeza de que não quero saber a técnica da música, o significado do dó-ré-mi-só-lá-si. Tenho preguiça daqueles caderninhos cheios de linhas horizontais com notas musicais que, nem de longe, dão conta da minha emoção quando ouço, por exemplo, Maria Bethânia cantando Chico Buarque.

Eu sei, soa ignorante supor que uma coisa exista sem a outra. Afinal, música não é só letra, nem intérprete, nem emoção. Os músicos precisam dos tais caderninhos para musicar uma letra. Mas eu não preciso saber de nada disso. Eu sou apenas uma amante. Eu sou apenas uma amante que desenvolveu um profundo ciúme.

Eis o caso: eu adoro uma velharia musical. Desde pequena escuto aquilo que meus amigos diziam ser “música de velho”. Chico Buarque, Caê, Gil, Alcione, Clara Nunes, Nelson Gonçalves, Adoniran, Cartola, Paulinho da Viola e por aí vai...
Claro, alguns eu passei a escutar na adolescência, outros na fase adulta. Mas o fato é que sempre convivi com minha m        ãe cantando os clássicos, alguns do tempo de vovó!

De uns anos pra cá, tenho escutado muita música do pessoal que vem despontado na cena musical brasileira. Principalmente música pernambucana. Não posso ouvir o barulhinho do caxixi que vou logo atrás, não posso ouvir o nome Recife que logo o sorriso vem à minha boca.
Karina Buhr, Alessandra Leão, Côco Raízes do Arcoverde, Selma do Côco, Aurinha do Côco, Isaar, Orquestra Contemporânea de Olinda, Eddie e tantos outros nomes e grupos são os “responsáveis” pelo meu ciúme, pela minha vontade de guardá-los só comigo. No vocabulário dos modernetes, eu seria uma espécie de indie, aquele povo que escuta bandas que ninguém mais conhece, apenas um seleto grupo de pessoas.

Particularmente, prefiro não assumir rótulos. Gosto de gostar e pronto.  Tudo muito bom, tudo muito bem se eu não tivesse tanto apreço por essas minhas descobertas musicais a ponto de sentir ciúmes caso popularize. Não consigo imaginar Alessandra Leão tocando na abertura da novela das 8, ou então, os gentis camelôs vendendo seus CDs à módica quantia de R$ 5,00 em alguma rua do centro.

Pensando bem, esse meu ciúme é elitista, acima de tudo. Ora, seria ótimo se todos pudessem assistir ao menos uma vez na vida Lia de Itamaracá e sua contagiante ciranda. Ver todo mundo de mãos dadas girando como num carrossel. E Lia, aquela entidade, em cima do palco cirandando a vida na beira do mar.  

Então, façamos assim: escutem a música que vem lá do Recife, prometendo amá-la e respeitá-la pelo resto de suas vidas. Na saúde e na doença. Na alegria e na tristeza. Porque assim como um casamento, é preciso respeito, cuidado e, sobretudo, amor. Muito amor!
E é assim que eu vejo a música. 


sábado, 17 de novembro de 2012

The bitch is back


Tudo começou provavelmente numa festa, talvez amigos em comum tenham apresentando o futuro casal. Ele tomava cerveja, uma, duas, três. Ela também bebia, mas fumava muito. Charme e vício se misturavam. Ele se apaixonou pelo cabelo enrolado dela. Aquilo ficou marcado e ela o cultivava com esmero. O cabelo, mas também o amor. Não queria perder as forças para não se tornar vítima do mito de Sansão. Juntos viajaram, compartilharam festas, festas e mais festas. Sempre regadas a cervejas e cigarros. Ele quis mostrar todo o mundo dele para ela. E a recíproca se fez verdadeira e igual.
Noites ao som de violão, pôr-do-sol no Farol da Barra, vasito em Buenos Aires, costela assada em algum bar do Rio de Janeiro. Ela olhava tudo admirada, feliz por ter encontrado tanta beleza e conhecimento em um mesmo homem. Da parte dela, restava mostrar para ele a cidade que era dela e que ele tinha tomado por sua. E ele foi. Se deixou levar por um novo linguajar, por novos códigos e apreciava tudo isso porque, sobretudo, estava fascinado por ela. Demasiadamente. Até o ciúme parecia gracioso aos olhos dele. Logo ele que tanto prezava a liberdade.
Em um terça-feira ensolarada em São Paulo ele se cansou de tudo isso. Cansou dos ciúmes exagerados. Cansou da falta de autonomia dela. Cansou do cotidiano dividindo a mesma cama, o mesmo lençol bordado pelo gozo. Queria uma vida pautada por horas mais leves, como ousara dizer uma vez para uma outra moça que ele deixara a “ver navios”. E hoje ele repetia isso para a mesma moça que ainda estava a “ver navios”. Durante o almoço, entre um pastel de entrada e um suco de saída, eles tentavam compreender em quê ele tinha se tornado. Ele queria se reinventar, caso contrário, enlouqueceria. A moça dos navios queria admirá-lo como da primeira vez. Como das outras vezes. Queria aquele jeito debochado e carinhoso dele. Queria a cumplicidade de antes. E no meio desses pensamentos o celular sempre tocava. E o toque era sempre: ela, ela, ela, ela! Ele não atendia, desconversava, colocava no silencioso.
Naquele dia, a outra percebeu que ele nunca mais seria dela. Mas ela queria ver de perto o obscuro objeto do desejo dele. Viajou, viajou e viajou. Chegou num lugar quente, seco e cheio de mistérios. Ela foi em busca de uma explicação para tudo aquilo, uma explicação para uma história que não era sua. Mas ela foi. Entre cervejas e cantorias, a curiosidade se transformou em pena. Todos diziam o quanto era feio sentir isso pelas pessoas, mas também disseram o quanto ela não devia ter ido ver a nudez alheia. Mas ela viu. E saiu atordoada correndo com seus sapatos de Alice para um lugar menos hostil, onde o sol queimasse menos. Onde carros antigos não fizessem parte do cenário.
Voltar ao local do desacerto não era fácil, mas necessário. Pensou que encontraria o desejo personificado em mulher, mas encontrou apenas músicas que falavam de solidão, músicas que doíam. Encontrou também passantes que discutiam filosofia, sexo e outras trivialidades. Ele estava cansado e ansioso, era notável. Entre uma cerveja e outra lá pelas tantas da madrugada, ele foi logo dizendo o quanto não sabia sair daquela relação já finda. Não era amor, era loucura, dizia ele tentando denotar uma inexistente serenidade. Contrariando a música que diz “dói, um tapinha não dói”, nele doía. Doía porque ele sabia que ela também não sabia fugir daquilo.

***

Para a moça dos infindáveis navios, a volta para casa não foi menos difícil. Ora, ela sempre prometia que agora sim ela se livraria daquele encosto. Ele que apanhasse uma vez por dia, ele que ficasse naquela vida medíocre e, finalmente, ele que pagasse o preço de não saber apreciar a moça que vive escondida no próprio desejo. Mas ele não sabia de nada disso. Ou pelo menos ela suspeitava. Ou suspeita. Isso já não tem mais tanta importância, ela acredita. “Tudo não passou de ilusão”, como diz a música. E agora que ela recobrou os sentidos talvez seja a hora de encará-lo para se reencontrar novamente com as próprias vontades, desejos e sentidos.




sábado, 16 de junho de 2012

Pra começo de conversa





Caetano Veloso, Gilberto Gil, Paulinho da Viola, Vinícius de Moraes. Todos esses e  muitos outros artistas e personalidades  já ganharam o título de cidadão paulistano. Eu nunca entendi ao certo qual o motivo da honra. Afinal, sou paulistana nascida e criada e nunca me senti, digamos assim, honrada. Já pensei até em anunciar minha naturalidade no Mercado Livre, só pra ver o tamanho da procura. O fato é que, durante muito tempo, briguei com São Paulo. Não reconhecia, muito menos apreciava a tal da “poesia concreta de tuas esquinas”. Tudo era apenas concreto. Sem poesias. E tudo isso era  a visão de uma pessoa que sempre rodou muito por aqui, já conheceu muitos cantos e antros. Desde a periferia sem reboco nas casas, até os sambas para “inglês ver” da Vila Madá (para os descolados! ui!).

Eu precisei rodar muito para me identificar. Não, não rodei o mundo. Esse giro foi menos geográfico que interno. Claro, a mudança para Campinas durante o período da graduação foi o divisor de águas nesse processo de “pazes com São Paulo”. A terceira maior cidade do Estado, de fato, não me apeteceu. Pelo contrário. Despertou em mim a vontade de explorar com mais intensidade e mais disposição o “meu chão”. E foi o que eu fiz, por um certo tempo. No entanto, no meio do caminho tinha uma outra cidade. Tinha um Rio de Janeiro no meio do caminho. E, sobretudo, tinha uma noção de que o Rio de Janeiro era uma São Paulo só que sem os paulistanos e sem o tamanho exagerado dessa cidade que, por vezes, assusta.

Uma mala nas costas, um sonho na cabeça e uma casa deliciosa para morar em Santa Teresa. Era tudo o que eu queria para me estabelecer de vez na Cidade Maravilhosa. Quando saí, não queria pensar na volta. Meu nome era ansiedade e uma vontade louca de viver tudo o que eu tinha direito. E mais um pouco. Durante 5 meses, perambulei pelo Rio como se não houvesse amanhã. Dancei, bebi, amei, conheci lugares, pessoas. Fui feliz. Quando chegou a hora do retorno, eu estava estranhamente tranqüila, calma e satisfeita. Parecia a vida me dizendo: - caia em si, Pâmela! E foi assim que eu pude afirmar com segurança: voltei, São Paulo!

É bem verdade que São Paulo assusta, repele. Dizem que cinza é a cor oficial da cidade. Vamos combinar que cinza não é lá uma cor muito convidativa. Por outro lado, só diz que cinza dá o tom por aqui, quem nunca ousou descer a colorida Rua Augusta. Ou então, quem nunca viu o amanhecer por uma janela de apartamento na Praça Roosevelt. Esse papo de que “não existe amor em SP” é balela, papo furado. As cores e amores estão por todos os cantos.  Open your mind.
Por isso, para 2012 eu quero mais São Paulo. Quero descobrir cada canto, cada pedaço dessa Paulicéia desvairada. Quero os milhares de shows que vem por aí; quero assistir os filmes que só passam aqui; quero me jogar nas pistas das festas; quero cerveja nos botecos sujos da Augusta; quero os moços que perambulam por aqui. Quero, finalmente, viver aqui.
Por quanto tempo? Eu não sei. Pode ser pra sempre, como pode ser por 5, 10, 20 anos. Isso não interessa agora. Qualquer coisa, é só colocar a mala nas costas novamente e ir, ir, ir! Por enquanto, o que desperta o interesse dos meus dois olhos negros é a vontade de reinventar a urbe, “ter” uma São Paulo só pra mim! E eu recomendo que você faça o mesmo. Aqui sempre cabe mais um, dois, três!


Texto elaborado em Fevereiro de 2012.